INSURGÊNCIAS DECOLONIAIS
VALIDAÇÃO DO ESPAÇO E DO FAZER TERAPÊUTICO DE LIDERANÇAS FEMININAS DE TERREIRO NO CUIDADO E ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL DA MULHER NEGRA VIOLENTADA EM TEMPOS DE PANDEMIA NO ESTADO DE SERGIPE
Palavras-chave:
Terapêutica de Terreiro, Pandemia, Violência domèstica, AfroreconectoresResumo
O presente artigo chama atenção para a necessidade de desistitucionalizar espaços e práticas de cuidado, decolonizar estruturas hegemônicas e validar outros fazeres, dinâmicas e técnicas que podem se somar às já validadas pelo SUS para atenção e cuidado à saúde mental em tempos de crise. O objetivo deste estudo busca ressaltar os recursos terapêuticos e como as estratégias utilizadas no Território Terreiro se apresentam como opção terapêutica afrocentrada. Para tanto, foi trazido para referendar, as práticas em tempos de pandemia do Ilê Axé Omon Tobi Oya Lokê, situado na cidade de Aracaju/SE. Suas interventivas de acolhimento e escuta qualificada, atendem às demandas locais e pontuais com dinâmicas para o cuidado de corpos sofridos, abusados violentados e execrados. O atendimento reorientativo em particular à mulher negra violentada, se desenvolve no assentar do itinerário interventivo de resolução. A perspectiva da Afrocentricidade proposta por Molefi Asante, já qualifica metodologicamente a pesquisa, pois aqui não há conjunções alternativas. Para validar o espaço como possibilidade de cuidado à saúde mental, trazemos além de técnicas, as narrativas de cinco mulheres negras, constatando a subnotificação já observada pela Secretaria de Segurança Pública do Estado de Sergipe no ano de 2020. Para análise, as epistemes trazidas atendem tanto para a compreensão territorial como para a demanda situacional. No sulear metodológico, contemplam-se indicadores que desorientam e outros que repotencializam. A técnica do Storytelling (histórias orais) alinhada a técnica dos Itans (contos africanos) apresentam-se como caminho de repotencialização. Esta última, que apesar de não exclusiva, possui tipicidade única, que mesmo não trazida em antologias hegemônicas, permite elucidar em terapia, o aprisionamento mental que as impede por exemplo de denunciar. A subnotificação da violência doméstica revela-se nas narrativas. Observa-se também na análise dos indicadores, que a procura por estes espaços se dão pelas possibilidades das aproximações sociais e das feridas coloniais. Constatou-se que traçar um itinerário terapêutico potente e resolutivo que atenda para a dissolução de gatilhos abissais faz alcançar na libertação, o empoderamento para a formalização da denúncia. Suas práticas propõem no reORIentar o afroreconectar das africanidades, como a tecnologia da água das quartinhas, recriando possibilidades, e legitimando o (re)sentir e a oralidade como fator potencial de higidez ancestral e de autonomia relacional de seus agentes. Voltar um olhar ético e contemplativo nestes espaços é a insurgência, pois quando se trata de questões com ameaças catastróficas à vida, são estes espaços, com seus saberes, que estão para os seus, igualmente como suas práticas que tanto são perseguidas e julgadas. Validar o fazer terapêutico de lideranças femininas pretas, é fixar mais uma rota humanitária para a atenção e o cuidado da saúde mental da população negra. Trata-se de suleamentos sem pretensão de finalizações, pois nesta cosmovisão, o ebó epistêmico é continuum.
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