Análise das tensões intrínsecas ao dispositivo de Procriação Medicamente Assistida com doação de gametas sob o olhar da Sociologia Pragmática
Resumo
Introdução: A procriação medicamente assistida (PMA) com recurso à doação de gâmetas não suscita somente debates científicos, morais, políticos, sociais e religiosos, mas abrange também os envolvimentos pessoais nas relações mais próximas. Objetivo: Analisar as controvérsias, tensões e constrangimentos, visíveis ou invisíveis, em torno da PMA com dadores terceiros em França e em Portugal. Métodos: Para este projeto, foram realizadas 66 entrevistas a um conjunto diferenciado de atores diretamente ligados às técnicas de PMA, seja porque a elas recorrem (casais heterossexuais e homossexuais) seja porque são responsáveis pela sua implementação (especialistas em medicina reprodutiva e embriologia) ou pela sua discussão e regulamentação (deputados/senadores e membros de comissões de ética). No total, entrevistámos 20 beneficiários (dez em França e dez em Portugal) e 46 profissionais (22 em França e 24 em Portugal). Resultados: As dez mulheres entrevistadas, nos dois países considerados, apresentam uma semelhança de trajetórias biográficas e de cuidados, numa sucessão de provações no que respeita às suas vivências da infertilidade. Encontram-se todas em situação de conjugalidade heterossexual, têm idades compreendidas entre os 34 e os 43 anos, trabalham no sector terciário e possuem formação superior, exceto em dois casos (ensino secundário completo). Além disso, foi possível explorar as tensões – mas igualmente os compromissos – que emergem no seio de casais com problemas de infertilidade que optam por recorrer à PMA com dadores terceiros. Conclusão: É certamente possível padronizar e regular o procedimento de PMA com dadores terceiros. No entanto, mesmo que os casais se encontrem num processo voluntário e manifesto de anonimização do procedimento, essa tensão permanece, porque é constitutiva do objeto.