Chamada de Artigos: Relações organização-natureza no Antropoceno: “Nossa casa está pegando fogo!” – e o que temos a fazer?

30-01-2020

Período de submissões: de 30 de abril/2020 a 15 de agosto/2020 (prazo prorrogado em 03/08/2020 devido à situação de pandemia)

Editores convidados:

Marina Dantas de Figueiredo (PPGA/Unifor)

Fábio Freitas Schilling Marquesan (PPGA/Unifor)

Letícia Dias Fantinel (PPGAdm/UFES)

 

Escopo da chamada:

"O livro de Ritzer (de 1993) – mcdonaldizações da sociedade – mostra como as altas realizações da modernidade, como o big mac, ainda são em grande medida odores da morte mecanizada de um grande número de criaturas; neste caso, gado. Mas nós também sabemos que soldados franceses foram para a morte quase certa no front, tocados como ovelhas... Sabemos que os trens de Auschwitz eram feitos de carros de gado; e sabemos que as eficiências das fábricas de Ford apoiavam-se pesadamente nas lições obtidas e na tecnologia desenvolvida nos abatedouros de Chicago. As consecuções do mundo organizado do modernismo são, de fato, construídas sobre as carnes e os ossos da morte e os métodos de sua rápida e barata execução".

 

Depois de anos de pouquíssimas reações às implicações das organizações sobre o aquecimento global, a mudança na composição atmosférica e a acidificação dos oceanos, esses temas parecem ter se tornado prementes em 2019, no Brasil tanto quanto no exterior[1]. É fato que demoramos muito tempo para nos juntarmos ao coro de cientistas que vêm estudando os impactos das ações humanas sobre a Terra e denunciando seus efeitos deletérios sob o poderoso rótulo do Antropoceno. Toda essa demora faz parecer que chegamos a esse momento talvez mais por efeito de disponibilidade de informação do que de um compromisso político com a questão. Afinal, à medida que desastres ambientais cada vez mais associados à ação humana passam a ser mais percebidos e noticiados, parece que ficamos mais atentos e mais propensos a aderir ao assunto em nossas agendas de pesquisa (talvez sem a consciência de que podemos ser influenciados pela facilidade com que eventos catastróficos agora nos vêm à mente e informam a opinião pública).

Analisar os motivos da nossa letargia diante de uma questão tão urgente é motivo de reflexão, porque não é de hoje que podemos perceber a responsabilidade das organizações no estado de coisas do Antropoceno – como a epígrafe deste texto pode expressar, escrita por (Burrell, 2007, p. 457) no capítulo 17 do clássico Handbook de Estudos Organizacionais, cuja edição original é de 1996. Mas o súbito interesse sobre o tema é um lampejo de consciência e não podemos perder o momento em autocríticas que descambem para autocomiseração. Temos não apenas que nos engajar rápido com os debates científicos sobre o Antropoceno, mas temos que agir rápido, politicamente falando, se quisermos que os EOs sejam parte da solução (porque somos claramente uma das fontes) da crise ambiental.

Como dizem Gretha Tunberg e Naomi Klein, duas importantes vozes do movimento ambientalista, “nossa casa está pegando fogo!”. E o alarme de incêndio começou a soar no campo dos EOs. É com este senso de urgência que lançamos esta chamada especial para a Revista Gestão & Conexões. O Antropoceno, apesar de ainda não ter sido oficializado como a época geológica atual, responde pelo momento em que pelo menos parte considerável da humanidade tem atuado como uma força a mais na configuração do chamado Sistema Terra. Configuração essa que, no atual contexto, tem sido marcada, entre outras mazelas, pela degradação ecológica e pela violação de toda sorte de direitos humanos e da natureza. Assim, quando perguntamos “o que temos a fazer?”, pensamos, claro, no público da Gestão & Conexões, predominantemente brasileiro, mas também aberto, principalmente, à audiência latinoamericana: o que nós, do Sul Global, temos a dizer sobre este estado de coisas?

Do exposto, convidamos ao desafio de pensar sobre os limites e fragilidades dos modos de desenvolvimento capitalista que, por meio de práticas organizacionais destrutivas (Banerjee, 2008), vêm produzindo interações com o ambiente e outras formas de vida que, quase que invariavelmente, resultam em catástrofes ambientais, desequilíbrios de ecossistemas, mudanças climáticas e crises econômicas e socioambientais. Ainda procuramos dar continuidade ao esforço de proposição de um projeto científico para repensar a relação organização-natureza nos EOs no Brasil (Marquesan & Figueiredo, 2018), compreendendo as discussões sobre o Antropoceno (Crutzen, 2002; Malm & Hornborg, 2014; Steffen, Broadgate, Deutsch, Gaffney, & Ludwig, 2015; Steffen, Crutzen, & McNeill, 2007) como uma arena de exposição e denúncia da destruição ecológica ainda pouco trabalhada no campo científico.

Entendemos que o Antropoceno é um fato científico novo, e mais ainda para os EOs, o que torna evidente a importância desse tipo de debate em nosso campo. Se, por um lado, ressaltamos a crise dos paradigmas modernos e questionamos a crença modernista de que uma boa gestão de ciência e tecnologia (Asafu-Adjaye et al., 2015) pode solucionar os problemas da humanidade, por outro entendemos que tais reflexões podem proporcionar a articulação de novas lentes para pensar o bem viver e o viver com os outros, numa perspectiva integrativa dos entes da natureza  (Ergene, Calás, & Smircich, 2018).

Nesse contexto, consideramos fundamental refletir sobre possíveis alternativas para pensarmos a própria existência da vida humana tanto quanto não humana no contexto do Antropoceno, a partir de uma preocupação com a dimensão biossocial do organizar (Labatut, Munro, & Desmond, 2016). Julgamos importante, para isso, romper com a clássica cisão entre natureza e cultura, que por muito tempo serviu de base para as Ciências Sociais e reforça uma separação entre diferentes espécies que habitam o planeta, com primazia para a humana (Pacini-Ketchabaw, Taylor, & Blaise, 2016). Tal movimento tem como implicação refletir, por exemplo, sobre como o entendimento de que o progresso, a eficiência, a eficácia são elementos atrelados à nossa capacidade de controlar a natureza, fazendo com que outras agências que não a humana sejam consideradas incômodas, indisciplinadas e desorganizadoras (Sage, Justesen, Dainty, Tryggestad, & Mouritsen, 2016), devendo portanto ser eliminadas das teorias organizacionais, das organizações, e por vezes, da própria Terra.

Em suma, buscamos discussões que apontem as repercussões do pensamento científico em gestão e das técnicas/tecnologias de gestão sobre o meio ambiente. Da mesma forma, instamos a pensar sobre os limites que as perspectivas tradicionais hegemônicas sobre a relação organização-natureza têm imposto à Teoria Organizacional no contexto do pensamento intelectual e da vida cotidiana. Esperamos, com isso, pavimentar caminhos para a superação deste estado de coisas.

 

Temas para submissão:

Convidamos os autores a submeterem seus originais a esta chamada especial que abordará o tema Relações organização-natureza no Antropoceno. Sugere-se que os trabalhos sejam norteados por tópicos como os seguintes (ainda que não limitados a eles):

- Reflexões sobre a relação organização-natureza na Teoria Organizacional e imbricações da existência humana organizada com outras formas de vida;

- Debates sobre agendas teóricas, éticas e políticas que problematizem o especismo e o antropocentrismo na prática e na Teoria Organizacional;

- Desafios epistemológicos, ontológicos, teóricos e metodológicos frente no processo de desnaturalizar nossas perspectivas científicas tradicionalmente antropocêntricas e especistas;

- Contradições inerentes à tríade produção-distribuição-consumo da Ciência e da Tecnologia em relação às necessidades da vida humana contemporânea e à conservação do meio ambiente;

- Problematizações acerca da produção de desigualdades no acesso a recursos naturais tanto em ambientes rurais quanto urbanos;

- Teorizações alternativas ao paradigma dominante da sustentabilidade nos Estudos Organizacionais;

- Discussões sobre políticas institucionais e práticas organizativas quanto ao impacto das atividades empresariais na natureza e nas comunidades afetadas;

- Reflexões sobre a responsabilidade dos estudiosos das organizações na crise ambiental contemporânea.

 

Referências

Asafu-Adjaye, J., Linus Blomqvist, Brand, S., Brook, B., Ruth DeFries, Ellis, E., … Teague, P. (2015). An ecomodernist manifesto. Recuperado de http://www.ecomodernism.org/

Banerjee, S. B. (2008). Necrocapitalism. Organization Studies, 12(29), 1541–1563.

Burrell, G. (2007). Ciência normal, paradigmas, metáforas, discursos e genealogia da análise. In S. R. Clegg, C. Hardy, & W. R. Nord (Orgs.), Handbook de estudos organizacionais: modelos de análise e novas questões em estudos organizacionais (p. 437–460). São Paulo: Atlas.

Crutzen, J. P. (2002). Geology of mankind. Nature, 415.

Ergene, S., Calás, M. B., & Smircich, L. (2018). Ecologies of Sustainable Concerns: Organization Theorizing for the Anthropocene. Gender, Work & Organization, 25(3), 222–245. https://doi.org/10.1111/gwao.12189

Labatut, J., Munro, I., & Desmond, J. (2016). Animals and organizations. Organization, 23(3), 315–329.

Malm, A., & Hornborg, A. (2014). The geology of mankind? A critique of the Anthropocene narrative. The Anthropocene Review, 1(1), 62–69. https://doi.org/10.1177/2053019613516291

Marquesan, F. S., & Figueiredo, M. D. (2018). Do ecoambientalismo à sustentabilidade: notas críticas sobre a relação organização-natureza nos estudos organizacionais. Organizações & Sociedade, 25(85), 264–286.

Pacini-Ketchabaw, V., Taylor, A., & Blaise, M. (2016). Decentring the Human in Multispecies Ethnographies. In C. A. Taylor & C. Hughes (Orgs.), Posthuman Research - Practices in Education. New York: Palgrave Macmillan.

Sage, D., Justesen, L., Dainty, A., Tryggestad, K., & Mouritsen, J. (2016). Organizing space and time through relational human–animal boundary work: Exclusion, invitation and disturbance. Organization, 23(3), 434–450.

Steffen, W., Broadgate, W., Deutsch, L., Gaffney, O., & Ludwig, C. (2015). The trajectory of the Anthropocene: The Great Acceleration. The Anthropocene Review, 2(1), 81–98. https://doi.org/10.1177/2053019614564785

Steffen, W., Crutzen, P. J., & McNeill, J. R. (2007). The Anthropocene: are humans now overwhelming the great forces of nature? Ambio, 36(8), 614–621.

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Recomendações para autores: interessados em submeter seus manuscritos inéditos devem fazê-lo dentro do prazo divulgado nesta chamada diretamente por meio da plataforma OJS (Open Journal System), informando o código “antropoceno” como opção no campo de submissões. Para informações sobre a operacionalização das submissões e instruções a respeito da formatação dos manuscritos, deverão consultar as Diretrizes aos Autores, disponíveis no websiteda Revista Gestão & Conexões.

A Revista Gestão & Conexões (REGEC) é um periódico de acesso aberto ligado ao Programa de Pós-graduação da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGAdm/Ufes)

 

Editores convidados:

Marina Dantas de Figueiredo

marina.dantas@unifor.br

Doutora e Mestre em Administração pelo Programa de Pós-Graduação em Administração da Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul - PPGA/EA/UFRGS, Bacharel em Administração pela Universidade de Pernambuco. Atua como docente permanente no Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Fortaleza, na área de Organização e Sociedade. Seus estudos abordam a relação das organizações com o ambiente, natural e cultural, a partir de uma perspectiva epistemológica pós-estruturalista. Seus interesses atuais de pesquisa estão relacionados a dois eixos principais, a saber. 1) Práticas culturais e o organizar, no qual se articulam os seguintes temas: tradição e renovação cultural, transmissão de saberes-fazeres tradicionais, cultura imaterial e patrimônio, inovações à gestão do patrimônio cultural, sustentabilidade do patrimônio cultural, paisagens e patrimônio. 2) Natureza e organizações, no qual se articulam os seguintes temas: ecologia e paradigmas alternativos para a relação organização-ambiente, a perspectiva do habitar, risco e consequências da atividade organizacional, alternativas ao desenvolvimento.

 

Fábio Freitas Schilling Marquesan

marquesan@unifor.br

Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Administração da Universidade de Fortaleza (PPGA/Unifor). Doutor em Administração (Área de concentração: Estudos Organizacionais) pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS/2013); Mestre em Ciência e Tecnologia de Sementes pela Universidade Federal de Pelotas (UFPel/2008); Bacharel em Administração pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM/2006); Especialista em Produção de Sementes de Arroz Irrigado (UFPel/2003) e Engenheiro Agrônomo (UFSM/2002). Líder do Grupo de Estudos Organizacionais do Semiárido (Geosá) e membro do Núcleo de Estudos em Estratégia e Sustentabilidade (NESS). Entre os interesses de pesquisa atuais estão as contradições do desenvolvimento em regiões semiáridas e os estudos socioambientais, com destaque para a mudança climática e outros riscos associados ao Antropoceno

 

Letícia Dias Fantinel

leticia.fantinel@ufes.br

Professora Adjunta do Departamento de Administração e Professora Permanente do Programa de Pós-graduação (Mestrado e Doutorado) em Administração da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Doutora em Administração pela Universidade Federal da Bahia (2012), com estágio-sanduíche na Universidade Paris IX, mestre e bacharel em Administração pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (2009 e 2005). Atua como pesquisadora na área de Estudos Organizacionais dentro dos seguintes temas: culturas e simbolismos nas organizações, práticas organizativas, espaço e tempo nas organizações, dinâmicas e práticas urbanas, relações organizadas entre humanos e outros animais.

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[1] No EGOS de Edimburgo, o Antropoceno foi abordado explicitamente no título de um subtema (Critical Anthropocene Studies), além de ter figurado como foco central da discussão de pelo menos um outro (Discursive and material struggles over the natural environment) e sido tema de uma concorrida subplenária (Grand challenges: Organizations and the Anthropocene). Antes disso, em 2018, a revista Organization publicou uma edição especial dedicada à temática, chamada Organizing in the Anthropocene. Mas a depeito disso, os EOs da América Latina e do Brasil podem ser gabar de ter chegado ao tema de maneira pioneira (ainda que não menos atrasada em relação a outros campos científicos). Espaços de discussão sobre o Antopoceno surgiram nas edições de 2018 e 2019 do CBEO (nos subtemas “Estudos Organizacionais no Antropoceno” e “Relações organização-natureza no Antropoceno: crise epistêmica do antropocentrismo e a emergência de novas biossocialidades”, respectivamente). O mesmo ocorreu no congresso internacional da Red Pilares no Chile, em 2018 (na mesa temática Cambio Climático y otros riesgos del Antropoceno para América Latina), retomada na edição 2020 do evento, no México. Também antes dos europeus, a Desacatos: Revista de Ciencias Sociales, organizada pelo Centro de Investigaciones y Estudios Superiores en Antropología Social (CIESAS) do México lançou em 2017 o número 54 – Cambio Climático y Antropoceno – disponível neste link: http://desacatos.ciesas.edu.mx/index.php/Desacatos/issue/view/102/showToc.