Chamada para o dossiê n. 46 (2024/2)

07-05-2024

Dossiê: 150 anos da imigração italiana no Brasil: produção e circulação de saberes

Um Brasil italiano, uma Itália brasileira, uma história de travessias culturais, urbanas, políticas, artística, literária e cinematográfica. Uma história de imigração que parte de “nós-outros” a “todos-nós” e cria a possibilidade de diálogo entre povos, de trocas culturais e políticas entre dois países que ao longo de 150 anos vêm recolhendo o passado disperso e inventariando figuras que aparecem pelo caminho. A edição da revista Contexto n. 46 (2024/2) será dedicada aos 150 anos da imigração italiana no Brasil. Para muitos essa história começa em 1874, inclusive com a fundação da cidade de Santa Teresa no Espírito Santo, tratando-se, pois, da primeira fase do processo migratório italiano para o Brasil, que se estende até 1910, cujo objetivo era fixar os imigrantes seguindo os modelos de uma agricultura de subsistência e subvencionada pelo governo, através da implementação de núcleos de colonização rural em larga escala, sobretudo após a sanção da Lei do Ventre Livre (1871) e o agravamento da crise de mão de obra nas fazendas de café. Na fase seguinte, a própria comunidade italiana já instalada no país vai atuar como polo aglutinador capaz de gerar os mercados para os produtos italianos e potencializar uma influência cultural, estimulando uma relação mais próxima e harmoniosa entre os dois países, o Brasil sendo considerado, afinal, um lugar privilegiado e um mercado capaz de fornecer matérias-primas e alimentos, e de absorver grandes quantidades de produtos italianos. A partir dos anos 1950, deu-se uma terceira fase da imigração, quando foram instaladas as cooperativas e empresas de industrialização capazes de aproveitar a mão de obra e a produção local. Nessa fase, migraram indivíduos isolados, pessoas com certo grau de escolaridade, diferentes daquelas que vieram para o Brasil no final do século XIX e nas primeiras décadas do século XX, em geral famílias camponesas, cujos membros eram analfabetos ou de baixo grau de escolaridade. Dentre os vários fatores que determinaram o “cosmopolitismo modernista e pós-modernista”, estão as fissuras que a presença dos imigrantes, sobretudo dos italianos (como produtores culturais e força de trabalho internacional, numerosa e anônima), produziu no seio da sociedade brasileira. Muitas dessas histórias foram registradas através de relatos de imigrantes e/ou descendentes que começam quase sempre com uma abordagem acerca da percepção dos lugares produzida a partir da narração daquele espaço específico.

A literatura, as artes e o cinema desenvolvem um importante papel, porque estabelecem outra narrativa, na qual reafirmam a consciência de identidade e a memória coletiva apresentadas por esses imigrantes que construíram o sentido desses lugares e contribuíram para o seu desenvolvimento. A narrativa autobiográfica, ou a autoficção, por exemplo, aborda o contexto migratório e a ocupação dos espaços, promovendo, neste caso, uma geocrítica urbana que evidencia a união das diferentes culturas e a diversidade dos espaços investidos pela memória e pela cultura do Outro, a partir de um continuum entre exterior e interior, entre as subjetividades e a construção do real.

Essas áreas de imigração passam a funcionar, a curto prazo, enquanto campo de possibilidades de inserção do imigrante, tanto na região central da cidade, de assentamento às vezes barato e com facilidades de ingresso no mundo dos serviços, quanto nas áreas industriais e/ou agrícolas. Emilio Franzina[1] observa que as autobiografias, os diários, as correspondências epistolares de operários, artesãos e agricultores etc. hoje fazem parte de um patrimônio de fontes reconhecidas como elemento útil ao estudo do passado emigratório italiano, inclusive como provas do papel importante que esse tipo de comunicação, relacionado ao mundo privado, exerceu concretamente na manutenção da ponte que unia, nesse período, a Europa ao Brasil, incluindo a escolha de expatriar-se e/ou de permanecer em terras estrangeiras. Podemos destacar também o fato de que ítalo-brasileiros têm seguido o caminho inverso, redescobrindo suas raízes na Itália e produzindo material para reflexões sobre o impacto cultural do “refluxo migratório”. De qualquer modo, trata-se de transformações do ambiente social e intelectual que refletem as novas paisagens do espaço e as condições a partir das quais elas foram geradas.

Migrantes, ou simplesmente trabalhadores que se deslocam cotidianamente ou se transferem de um país para outro, diluem e contaminam os espaços, as culturas e os confins nacionais, participando do processo de reconfiguração do espaço geocultural global, que não é mais regulado por um centro, mas por uma relação entre espaços e intervalos.

Esta chamada para compor o Dossiê: 150 anos da imigração italiana no Brasil: produção e circulação de saberes convida à submissão de artigos que abordem as interfaces entre passado e presente da imigração italiana no Brasil, a partir de diferentes perspectivas interdisciplinares no âmbito da literatura, arte e cinema, sociologia, antropologia, geografia, história, política, jurisprudência e outras disciplinas.

Proponentes:

Maria Aparecida Fontes (Università di Padova)

Fabíola Padilha (Ufes)

Walter Zidarič  (Nantes Université)

Calendário:

Recebimento de originais/manuscritos: até 15 de julho de 2024

Designação de pareceristas: até 15 de agosto de 2024

Avaliação dos originais/manuscritos: até 30 de setembro de 2024

Revisão dos originais/manuscritos pelos autores: até 30 de outubro de 2024

Editoração e publicação do dossiê: até 20 de dezembro de 2024

 

[1] FRANZINA, Emilio. La terra ritrovata. Storiografia e memoria della prima immigrazione italiana in Brasile. Genova: Stefano Termanini Editore, 2014, p. 194.