Chamada de artigos para o dossiê: "O Mundo Antigo e suas cidades"

08-06-2023

Muito provavelmente, o primeiro modelo teórico moderno de análise das cidades foi formulado, no âmbito da História Antiga, por Fustel de Coulanges, em sua obra clássica La cité antique, de 1864. O estudo de Coulanges, contudo, expressa as preocupações da segunda metade do século XIX, época dominada pelas ideias de progresso e ordenamento preciso da história humana. Desde então, a relação dos especialistas com a espacialidade do Mundo Antigo demonstrou uma série de conotações, oscilando entre a positividade, o entusiasmo e o afastamento. Nesse interim, é importante perceber que a própria concepção de cidade vem sendo constantemente alterada. Não à toa, definir o conceito de cidade é sempre uma tarefa difícil, assim como já declarava Gordon Childe (1950, p. 3) em meados do século XX. Todavia, se pensarmos numa espécie de equação análoga, é plausível assumir que a cidade se situa no âmbito das reflexões sobre o espaço e a sociedade, uma vez que é um produto dessa relação. Em outras palavras, os domínios citadinos são produzidos historicamente por relações socioculturais em determinados contextos, não se devendo perder de vista que as cidades são, antes de tudo, construções humanas voltadas para os próprios interesses humanos (MARCUS; SABLOFF, 2008, p. 10).

As cidades possuem narrativas próprias que abrangem temporalidades distintas, além dos mais variados aspectos, como, por exemplo, os objetivos de sua criação, o local, os recursos naturais existentes, as edificações, a arquitetura, além da pluralidade cultural e as relações contidas no interior do espaço urbano. Uma mesma cidade, portanto, é múltipla. Nesse sentido, torna-se claro que as urbes não são realidades estáticas, fixas e indeléveis, uma vez que elas diminuem, expandem, são destruídas, reconstruídas e remodeladas pela ação do tempo. Isso quer dizer que é possível a nós pesquisadores refletir sobre os múltiplos processos de modernização, as diversas reformulações e adaptações, sem falar nos abandonos que os espaços urbanos sofreram (e sofrem) em conjunturas específicas. Ademais, o sentido atribuído à cidade e seus espaços e às mais distintas atividades que nela têm lugar são responsáveis por criar múltiplas leituras entre os grupos que convivem e interagem nesses lugares, que, além de serem territórios, do ponto de vista físico e tectônico, são espaços complexos e repletos de sentido, onde o controle do ambiente e da paisagem torna-se uma prerrogativa (PEYRAS, 1986, p. 213; RAMINELLI, 1997, p. 185-202).

Desta maneira, o presente dossiê volta-se para as narrativas e usos dos espaços citadinos. Com o objetivo de iluminar diferentes cidades da Antiguidade e Antiguidade Tardia, buscamos artigos e resenhas que, por um lado, apresentem as cidades selecionadas de forma geral aos leitores e, por outro, que discutam particularidades a respeito delas, sejam de âmbito histórico, geográfico, arqueológico ou historiográfico. Serão bem-vindas as contribuições que se atentem a questões de cunho historiográfico, cultural, político, religioso e social, sem perder de vista que as cidades também são fundamentais para a compreensão de aspectos do cotidiano de indivíduos e grupos que se encontram inseridos no modus vivendi das sociedades urbanas.

Em face do exposto, este dossiê de Romanitas - Revista de Estudos Greco-Latinos se volta para uma tendência atual que conjuga concepções e métodos provindos da História Urbana, da Arqueologia Clássica, da Geografia, da Arquitetura e da Sociologia, com o intuito de abordar de maneira plural e interdisciplinar esses ricos espaços que são as cidades, que de forma alguma devem ser pensados e tratados como estáticos e indeléveis.

Prof. Dr. João Carlos Furlani

Pós-doutorando pelo Programa de História Social das Relações Políticas da Universidade Federal do Espírito Santo (PPGHis/Ufes).

 

Referências

CHILDE, V. G. The urban revolution. The town planning review, v. 21, n. 1, p. 3-17, 1950.

COULANGES, F. La cité antique: étude sur le culte, le droit, les institutions, de la Grèce et de Rome. Paris: Durand, 1864.

MARCUS, J.; SABLOFF, J. A. (ed.). The ancient city: new perspectives on urbanism in the old and new worlds. Santa Fe: School for Advanced Research, 2008.

PEYRAS, J. Deux études de toponymie et de topographie de l'Afrique antique. Antiquités africaines, v. 22, p. 213-253, 1986.

RAMINELLI, R. História urbana. In: CARDOSO, C. F.; VAINFAS, R. (org.). Domínios da história: ensaios de teoria e metodologia. Rio de Janeiro: Campus, 1997, p. 185-202.

 

Prazo de submissão: Até 01 de agosto de 2023.

Conferir as informações sobre as diretrizes para submissão no link: https://periodicos.ufes.br/romanitas/about/submissions.