Chamada de artigos Dossiê: Sofistas, filósofos e rétores no Mundo Antigo

18-09-2024

Desde o final do século XX, o tema da sofística, filosofia e retórica no Mundo Antigo tem ganhado a atenção de diversos pesquisadores, muito embora, na historiografia brasileira, ainda observemos pouco destaque a essa questão.

No Mundo Antigo, era comum encontrar filósofos, sofistas e rétores circulando pelas cidades. Dentre as atividades executadas por esses indivíduos, contavam-se: discursar em público; mediar conflitos entre as cidades e destas com a administração imperial; escrever sobre o passado das póleis e civitates; participar de embaixadas; e, além disso, instruir os habitantes a se comportar da maneira considerada ideal por esses agentes (Guarinello, 2014, p. 144).

Gostaríamos de registrar, de antemão, que há grande dificuldade em se classificar um indivíduo como sofista, filósofo ou rétor, pelo menos para o caso de Roma e de seu Império (Stanton, 1973, p. 350). Bowersock (1969) e Jones (1978) afirmam que, na época imperial, um orador poderia desempenhar ambos os papéis. Praticantes da sofística e da filosofia detinham, em muitos casos, a mesma formação, podendo realizar performances públicas e ensinar. Os sofistas tinham competência para organizar disputas filosóficas, ao passo que os filósofos podiam declamar composições, embora a primeira função coubesse mais a um filósofo e, a segunda, a um sofista (Silva, 2014, p. 176). Era comum que os indivíduos estudassem tanto filosofia quanto retórica e se dedicassem às duas disciplinas de modo similar (Anderson, 1993, p. 134).

De todo modo, filósofos, sofistas e rétores eram indivíduos importantes no Mundo Antigo, o que é atestado pela presença de diversas escolas de retórica nas cidades, do século V a.C. ao V d.C. (Bowersock, 1969, p. 2-3). Não podemos nos esquecer de que, de Antonio Pio a Justiniano, todas as civitates e póleis integrantes do orbis Romanorum eram encorajadas a erguer escolas de retórica com fundos públicos. Os mestres, por sua vez, eram isentos do pagamento de impostos às suas respectivas curia ou boulé (Carvalho, 2010, p. 28).

No Principado, os referidos indivíduos desempenharam um papel fundamental na dinâmica política, uma vez que gozavam de uma posição privilegiada em suas respectivas cidades, tanto econômica como socialmente. Não é raro encontrá-los ocupando cargos na administração municipal e provincial, além de manterem relações próximas com os imperadores (Silva, 2014, p. 172).  Atuavam, portanto, como uma espécie de liderança para o restante da população. Seu ofício estava associado à instrução das coletividades urbanas, o que era feito por intermédio de declamações públicas nas quais os ouvintes eram convidados a refletir sobre as ideias expostas pelo locutor. A enorme popularidade que tinham, as redes de amizade que construíam nos meios urbanos, as inúmeras viagens que faziam, sem contar sua proximidade com o governo imperial, eram, sem dúvida, suas marcas principais.

Os rétores, sofistas e filósofos atuaram amiúde como porta-vozes de suas comunidades perante o poder central, motivo pelo qual poderiam ser agraciados com honrarias cívicas, a exemplo de estátuas. De fato, tais agentes eram considerados os mais aptos a falar em nome de suas cidades perante o imperador ou seus representantes (governadores de província, comandantes do exército, dentre outros), exercendo, assim, a função de embaixadores, além de ocuparem cargos administrativos em função de seu treinamento em retórica e filosofia (Browning, 1998, p. 97-98; Silva, 2013, p. 8).

Não podemos nos esquecer de que, na Roma imperial, floresceu, também, a retórica cristã. O cristianismo, conforme ressalta Guarinello (2014, p. 147), deu origem a uma literatura própria, baseada nas Escrituras, que, embora mantendo contato com as literaturas grega e latina, desenvolveu-se segundo linhas próprias. Apesar disso, é digno de nota observar que muitos cristãos do século IV estudaram e aprimoraram, junto com seus colegas pagãos, a arte da retórica, assim como prepararam-se em escolas filosóficas célebres, como a Escola de Atenas, visando ao aperfeiçoamento de seus discursos. A retórica tardia, então, despontou em todo o Império, de modo que os seus praticantes, assim como outrora, desempenharam um papel relevante na sociedade. Os retóres e professores de gramática ensinavam a retórica como a arte da linguagem necessária para a preparação daqueles que ocupariam o tribunal, os altos cargos administrativos e aqueles que tinham chances de chegar ao cargo de imperador (Carvalho, 2010, p. 28).

Feitas estas considerações, pretendemos, com este dossiê, examinar o papel desempenhado por sofistas, filósofos e rétores na Antiguidade, destacando suas funções, estratégias discursivas, embates teóricos, interesses sociais, dentre outras questões que envolvam a atuação destes indivíduos. Portanto, convocamos pesquisadores interessados na temática a enviarem seus textos para compor o dossiê, sobretudo porque o tema ainda carece de maior aprofundamento.

Referências

ANDERSON, G. The Second Sophistic: a cultural phenomenon in the Roman Empire. London: Routledge, 1993.

BOWERSOCK, G. W. Greek sophists in the Roman Empire. Oxford: Clarendon, 1969.

BROWNING, R. O professor. In: CAVALLO, G. (org.). O homem bizantino. Lisboa: Presença, 1998, p. 95-113.

CARVALHO, M. M. Paideia e retórica no séc. IV d.C.: a construção da imagem do imperador Juliano segundo Gregório Nazianzeno. São Paulo: Annablume, 2010.

GUARINELLO, N. L. Ensaios sobre História Antiga. 2014. Tese (Livre-docência em História Antiga) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2014.

JONES, C. P. The roman world of Dio Chrysostom. Cambridge: Cambridge University, 1978.

SILVA, G. V. A condição social dos professores na Antiguidade Tardia: um estudo com base no Didaskaleion de Libânio. Notandum, v. 32, n. 1, p. 1-19, 2013.

SILVA. S. C. O Império Romano do sofista grego Filóstrato nas viagens da ‘Vida de Apolônio de Tiana’ (século III d.C.). 2014. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”, Franca, 2014.

STANTON, G. R. Sophists and philosophers: problems of classification. The American Journal of Philology, v. 94, n. 4, p. 350-364, 1973.

 

Prazo de submissão: 01 de março de 2025

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