A potência do devir-criança na produção de afetos na educação
Autores
Sandra Maria Machado
Universidade Federal do Espírito Santo
Dulcimar Pereira
Universidade Federal do Espírito Santo
Larissa Ferreira Rodrigues
Universidade Federal do Espírito Santo
Resumo
O presente estudo surge de um “desejo infantil” de pesquisa: “Potência das Redes de Conversações e Ações Complexas na Produção do Currículo Praticado no Cotidiano Escolar e as Políticas Curriculares em Ação: Entre Formas, Forças e Modos de Constituição”, que se realiza numa escola de ensino fundamental na rede municipal de ensino de Vitória/ES. Parte de um desejo coletivo de cartografar alguns processos que emergem nas relações tecidas nas práticas discursivas e não-discursivas nos espaçostempos escolares. Processos esses, capazes de escapar e resistir aos engessamentos que serializam e modelam a produção de subjetividades na educação, levando-nos a questionar as diferentes linhas que segmentam a escola. Apresenta-se como um recorte de uma pesquisa em andamento e lança-se a problematizar como os encontros entre os múltiplos “eus” que atravessam as práticas educativas, podem potencializar a produção de afetos nas diversas linhas da vida: linhas molares, moleculares e linhas de fuga, a partir da experiência de realização de uma oficina de produção de bonecos com crianças entre 9 e 11 anos de idade. Objetiva acompanhar em meio às redes de conversações e ações complexas que se estabelecem no cotidiano escolar, os processos de desestabilização de algumas certezas nas relações de ensinar, educar e formar a infância, por meio de uma irrupção de um devir-minoritário, um devir-criança, capaz de desencadear novas intensidades e novos afetos nas escolas. Tece um debate teórico com o pensamento de alguns estudiosos do campo da filosofia e da educação, dentre eles: Carvalho (2008; 2009), Deleuze e Guattari (1995), Foucault (2006) e Kohan (2004; 2005). As opções teórico-metodológicas que apóiam o debate proposto neste trabalho pautam-se na intercessão da riqueza dos estudos no/do/com os cotidianos, com a cartografia de alguns processos e relações que envolvem a produção de afetos pelo devir-criança. Utiliza os registros dos diários de bordo das pesquisadoras e entrevistas com as crianças, com intuito de pensar a oficina de produção de bonecos e suas potencialidades para o desencadeamento de um devir-criança que interrompa com os lugares demarcados e arborizantes na escola: “aluno bagunceiro”, “aluno inteligente”, “aluno que não aprende”, para criar novos inícios, novos lugares, novas potências de vida infantil: uma infância minoritária, inesperada, criativa, singular, de inovação e de acontecimentos. Os caminhos trilhados na oficina de bonecos com as crianças seguiram direções rizomáticas, ou seja, direções múltiplas, diferenciadas e, as intensidades que emergiram na relação com esses outros, nos permitiram ouvir e sentir diversos uivos: uivos de meninos-lobos em devir. Muitos são uivos de compartilhamento de experiências, de criação, de afetos, de reprodução e de produção de singularidades, uivos que ecoam pelos corredores, pela sala de aula, sentidos pelos movimentos e repousos das mãos daqueles que confeccionavam e seguravam os bonecos. Na oficina de bonecos, os encontros de corpos produzem um devir-criança paralelo a um devir-animal, provoca uma “terceira coisa”, com intensidade e direção própria: uma linha de fuga que transita abertamente, que abre espaço para movimentos singulares e ao mesmo tempo coletivos ao confeccionar os bonecos, ao trocar seus bonecos e ao doar bonecos aos colegas e professoras. Mesmo coexistindo com linhas duras que sujeitam os modos de ensinar, educar, formar, aprender e viver, que endurecem o pensamento, os afetos/afecções e a educação, como por exemplo, a grande quantidade de crianças que optaram por confeccionar “bonecos de cor branca” e poucos “de cor negra”, as intensidades e os acontecimentos produzidos nos encontros de corpos durante a oficina, provocaram também, rupturas nas configurações promovidas pelas linhas de segmentaridade expressas, principalmente, pela rigidez de algumas práticas que buscam docilizar os corpos através de normas e comportamentos escolares. Os deslocamentos dados em linhas de fuga, em devir-criança, em devir-animal, possibilitaram uivos de experiências e uivos de alegria, potencializando afetos capazes de trazer novos/outros sentidos para a produção de conhecimentos na escola.